Blog Edileusa Rosária

FILOSOFIA PARA MULHERES

Por que o acesso desigual à educação ainda nos deixa para trás? O manifesto atemporal de Marie de Gournay

Em um mundo onde a educação ainda é um privilégio para poucas pessoas, a história nos mostra que algumas mulheres se recusaram a aceitar as barreiras impostas e transformaram adversidades em força.

Marie de Gournay é um exemplo marcante dessa resistência. Nascida em uma família modesta no século XVI, em uma sociedade que restringia o acesso das mulheres ao conhecimento, ela não se curvou às limitações de seu tempo.

Autodidata, aprendeu grego e latim por conta própria e fez da escrita sua arma mais poderosa, tornando-se uma voz revolucionária em defesa da igualdade.

Marie de Gournay (1565-1645), filósofa e escritora francesa, nasceu em Paris, era de família modesta, foi autodidata, aprendeu grego e latim.

Como tradutora, publicou versões em francês de Cícero, Ovídio, Tácito, Salusto e Virgílio e Eneida.

Como romancista, escreveu The Promenade of Monsieur de MontaigneConcerning Love in the Work of Plutarco, em 1588, que já levantava preocupações protofeministas*.

Ela se tornou amiga de Montaigne e, posteriormente, a editora de suas obras, a pedido do próprio filósofo.

Em 1622, publicou Égalité des hommes et des femmes (Igualdade entre homens e mulheres), um discurso da razão, como ela dizia, dedicado à rainha Ana da Áustria e reeditado algumas vezes, sendo a última em 1641, acrescida de novos parágrafos.

A obra é um convite à reflexão quanto à desigualdade entre homens e mulheres, trabalhando e problematizando essa questão em várias dimensões: moral, social, política, econômica e religiosa. Para tanto, a autora se utiliza, muitas vezes, do recurso da ironia para demonstrar o quão absurdo e nocivo é a postura dos homens frente às mulheres.

Esse texto foi encaminhado à rainha Ana, da Áustria, onde Gournay, sabiamente, inicia a carta tecendo vários elogios e exaltando alguns atributos da personalidade da rainha como a coragem, a virtude, a cultura, etc.

Além disso, ela não perde a oportunidade de aconselhar a rainha de que os bons livros e a instrução adequada poderiam ajudá-la a evitar os bajuladores, bem como os traidores do reino.

Ao final, Gournay enaltece a figura de mulher da rainha como um exemplo a ser seguido por outras mulheres, conforme segue o trecho abaixo:

“E, não somente pela grandeza única que vós adquiristes por nascimento e casamento, vós servireis de espelho ao seu sexo e de modelo de emulação aos homens, estendendo-o ainda ao universo, se vós vos elevardes ao preço e ao mérito que eu vos proponho, mas quanto mais cedo, Senhora, vós tomardes a decisão de querer luzir desse belo e precioso lume, crê-se que quem for do mesmo sexo resplandecerá no esplendor de vossos raios. Sempre vossa, Majestade,”

DA OBRA: IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

Interessante observar que Gournay inicia o seu discurso não em defesa da superioridade do feminino, mas, no sentido de igualar homens e mulheres, uma vez que a “natureza se opõe a este olhar tanto de superioridade quanto de inferioridade”.

Na sequência, ela tece fortes críticas aos preconceitos estabelecidos pelo senso comum da sociedade patriarcal, que se vangloria e se fortalece em detrimento da fraqueza imposta às mulheres.

Em seguida, ela traz um importante trecho da obra de Platão, A República, para sustentar a paridade de direitos, faculdades e funções entre homens e mulheres. Nesse trecho, coloca em destaque as filósofas Diotima e Aspásia, referenciadas na aludida obra.

Continuando o discurso, Gournay argumenta que as mulheres levam uma grande desvantagem em relação aos homens por conta da educação que recebem.

Diz que se a mesma educação fosse dada a ambos, certamente que as mulheres poderiam alcançar os mesmos lugares que os homens.

A fim de embasar esse seu posicionamento, Gournay traz em seu texto dois grandes filósofos, Plutarco e Sênica que, em síntese, discursam acerca da igualdade entre homens e mulheres:

“Plutarco, em seu Tratado dos feitos virtuosos das mulheres, sustenta que a virtude do homem e da mulher é a mesma coisa. De outra parte, Sêneca publica nas Consolações que é preciso crer que a natureza não tratou as senhoras ingratamente, ou restringiu e encurtou suas virtudes e suas mentes mais que as virtudes e as mentes dos homens, mas, sim, que as dotou de semelhante vigor e de semelhante faculdade para todas as coisas honestas e louváveis.”

Prossegue trazendo exemplos de outros povos, até mesmo relatos mitológicos, acerca da capacidade das mulheres de governar, aconselhar, deliberar, dentre outras potencialidades femininas.

Destaca que a única diferença que pode haver está na força corporal. E, nem por essa desigualdade, o homem poderia se considerar superior.

Gournay também explora o aspecto religioso, argumentando que Deus criou o ser humano macho e fêmea, contando-se esses dois como se fossem um. Para tanto, se apoia no texto de São Basílio:

“A virtude do homem e da mulher é a mesma coisa, já que Deus concedeu-lhes a mesma criação e a mesma honra ‘masculum et foemininam fecit eos’.”

Ainda utilizando o argumento bíblico, ela ressalta que Deus repartiu os dons da profecia com as mulheres “e constituiu também por juízas, instrutoras e condutoras de seu fiel povo na paz e na guerra”.

Além disso, demonstra que na bíblia há diversos testemunhos de mulheres, como Madalena, atuando em igualdade com os homens. E conclui que:

“Todas as antigas nações concediam o sacerdócio às mulheres e aos homens indiferentemente. E, pelo menos, os cristãos são forçados a consentir que elas são capazes de ministrar o sacramento do batismo”.

Essa parte do discurso traz uma variedade de argumentos, em prol da igualdade entre homens e mulheres, defendida por alguns cristãos:

“Por certo, São Jerônimo escreve sabiamente a nosso propósito [quando diz] que em matéria do serviço de Deus, o espírito e a doutrina devem ser considerados, não o sexo. Sentença que se deve generalizar para permitir às senhoras, com mais forte razão, exercerem toda ação e ciência honesta; e assim seguir, também, as intenções do mesmo santo que, de sua parte, honra e recomenda fortemente o sexo delas. Mais ainda, São João, o Águia e o mais querido dos evangelistas, não desprezaria as mulheres, tampouco São Pedro, São Paulo e outros dois padres: – eu ouço São Basílio e São Jerônimo, pois ele, particularmente, destina a elas suas epístolas, sem falar de infinitos outros, santos ou padres, que dão semelhante destino aos seus escritos”.

Ela apresenta, ainda, alguns feitos de grandes mulheres que marcaram a história da humanidade, como: Madalena, Judite e Joana D’Arc.

Por fim, Gournay contesta a visão bíblica de Eva, atrelada ao gênero feminino, tendo uma natureza essencialmente pecaminosa. Ao que parece, ela percebe uma transferência de valores religiosos de ordem teológica (escrita por homens) para o social.

Esta questão exigiu de Gournay uma brilhante defesa acerca dessa igualdade das graças e favores de Deus para com as duas espécies.

Lições para a vida

Considerando a profundidade e a coragem das palavras de Gournay, é evidente que sua obra transcende as fronteiras do discurso filosófico e se configura como um manifesto contundente em favor da igualdade de gênero.

Esse texto demonstra quão estratégico foi Gournay embasar esse discurso com citações de grandes autoridades masculinas da filosofia, da igreja, até mesmo exemplos de outros países, utilizando-se principalmente de conceitos bíblicos em prol das mulheres.

Interessante observar que ela consegue, por meio da retórica e dialética, tratar das questões de desigualdade de gênero, hierarquia sexual e do lugar social da mulher ao longo da história e, ainda, demonstrar que seria possível mudar esse cenário por meio da educação. Educação essa que deveria ser conferida às mulheres em igualdade com os homens.

Gournay foi sábia em suas palavras e, acima de tudo, corajosa ao expor a opressão vivenciada pelas mulheres de sua época.

Ela, certamente, foi um farol que guiou a luta pela igualdade de gênero, inspirando gerações futuras a questionar e redefinir os papéis sociais atribuídos às mulheres.

Quer saber mais? Acesse:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Marie_de_Gournay
https://www.filosofas.org/post/marie-de-gournay

 

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Prazer, Edileusa Rosária

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